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Cinco famílias controlam 50% dos principais veículos de mídia do país, indica relatório

09/01/2018

Pesquisa das ONGs Repórteres Sem Fronteiras e Intervozes mostra domínio de poucos na comunicação. Em ranking de risco à pluralidade, Brasil é o último

Cinco famílias controlam metade dos 50 veículos de comunicação com maior audiência no Brasil. A conclusão é da pesquisa Monitoramento da Propriedade da Mídia (Media Ownership Monitor ou MOM), financiada pelo governo da Alemanha e realizada em conjunto pela ONG brasileira Intervozes e a Repórteres Sem Fronteiras (RSF), baseada na França. 

A pesquisa MOM sobre o Brasil é a 11ª versão do levantamento, realizado anteriormente em dez outros países em desenvolvimento: Camboja, Colômbia, Filipinas, Mongólia, Gana, Peru, Sérvia, Tunísia, Turquia e Ucrânia. Trata-se de um projeto global do Ministério de Cooperação Econômica e Desenvolvimento da Alemanha que tem como objetivo promover transparência e pluralidade na mídia ao redor do mundo.

A pesquisa acompanha um ranking de Risco à Pluralidade da Mídia, elaborado pela Repórteres Sem Fronteiras, no qual o Brasil ocupa o 11º e último lugar. Nos dez indicadores do ranking, o País apresenta risco "alto" em seis deles, como concentração de audiência e salvaguardas regulatórias. 

No caso do Brasil, o levantamento listou os 50 veículos de mídia com maior audiência e constatou que 26 deles são controlados por apenas cinco famílias. O maior é o Grupo Globo, da família Marinho, que detém nove desses 50 maiores veículos.

 

Além da rede Globo, líder de audiência na tevê aberta, a Globo tem presenças relevantes na tevê a cabo (com a GloboNews e outros 30 canais); no rádio, com a CBN e a Rádio Globo; e na mídia impressa, com títulos como os jornais O Globo, Extra, Valor Econômico e a revista Época.

Segundo a pesquisa, o grupo Globo alcança sozinho uma audiência maior do que as audiências somadas do 2º, 3º, 4º e 5º maiores grupos brasileiros.

 

 

Na sequência, aparecem a família Saad, dona do grupo Bandeirantes, e a família de Edir Macedo, da Record, com cinco veículos cada um, seguidas pela família Sirotsky, da RBS, com quatro veículos na lista, e a família Frias, com três veículos.

Se somados o grupo Estado, do jornal O Estado de S.Paulo; o grupo Abril, da revista Veja; e o grupo Editorial Sempre Editora, do jornal O Tempo, são oito famílias controlando 32 dos 50 maiores veículos, ou 64% da lista.

 

 

 

 

 

 

Para a RSF e a Intervozes, cujo blog está hospedado no site de CartaCapital, esse domínio configura um oligopólio. "Nem a tecnologia digital e o crescimento da internet, nem esforços regulatórios ocasionais limitaram a formação desses oligopólios", afirmam as ONGs em relatório.

 

O parágrafo 5º do artigo 220 da Constituição afirma que "os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio". Este artigo, assim como outros que dizem respeito à comunicação social, nunca foram regulamentados pelo Congresso.

Essa previsão a respeito de monopólios e oligopólios se aplica apenas a veículos de rádio e televisão, que são serviços públicos e funcionam em espectro limitado, com um limite de número de emissoras que podem existir. Os veículos impressos, como prevê também a Constituição, podem ser constituídos e publicados sem licença de autoridade.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Propriedade cruzada da mídia

 

O relatório destaca, no entanto, que no caso brasileiro a ausência de restrições à propriedade cruzada dos meios de comunicação, com exceção do mercado de TV paga, permite que os líderes de mercado dominem múltiplos segmentos. Assim, no cenário brasileiro grandes redes nacionais de TV aberta pertencem a grupos que também controlam emissoras de rádio, portais de internet, revistas e jornais impressos.

A propriedade cruzada é, segundo os autores da pesquisa, uma "dimensão central da concentração na mídia brasileira", sendo o principal fundamento do sistema de comunicação de massa nacional. O caso da Globo, com seu conglomerado de emissoras de rádio e tevê aberta e fechada, jornais, revistas e sites é o mais conhecido, mas se reproduz com outras famílias. 

A Record, por exemplo, tem canais importantes na tevê aberta e fechada (RecordTV e RecordNews), veículos na mídia impressa (jornal Correio do Povo) e na internet (portal R7), além de controlar a Igreja Universal do Reino de Deus, que possui a Rede Aleluia de rádio e produz o jornal gratuito de maior tiragem no Brasil, a Folha Universal. 

 

Segundo as ONGs, essas situações persistem porque o Brasil tem um marco legal ineficiente para combater a monopolização e promover a pluralidade. Além disso, dizem, nem mesmo as poucas provisões legais existentes são aplicadas de fato, pois a propriedade da mídia não é monitorada constantemente pelas autoridades competentes, que se limitam a receber e registrar as informações enviadas pelas próprias empresas.

Reprodução Revista Carta Capital

RAIO X DA ILEGALIDADE: POLÍTICOS DONOS DA MÍDIA NO BRASIL
DIREITO À COMUNICAÇÃO NO BRASIL 2016, ESPECIAIS   

Alvos de ação do MPF, parlamentares donos de emissoras de rádio e TV são um símbolo da fragilidade da democracia brasileira e do conservadorismo político.

Texto: Iara Moura | Colaboraram: Mônica Mourão, Raquel Dantas e Yuri Leonardo

 

 

 

 

 

 

Segundo informações do Sistema de Acompanhamento de Controle Societário – Siacco, da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), 32 deputados e oito senadores são proprietários, sócios ou associados de canais de rádio e TV. Têm, assim, espaço privilegiado de disputa pelo voto antes mesmo do período de campanha determinado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Os 40 parlamentares são alvo de uma ação no Supremo Tribunal Federal que questiona a constitucionalidade da participação de políticos titulares de mandato eletivo como sócios de empresas de radiodifusão e pede medida liminar para evitar a ocorrência de novos casos.

Na mira da justiça

Buscando combater a concentração de emissoras nas mãos de políticos, o Partido Socialismo e Liberdade (Psol) com o apoio do Intervozes protocolou, em dezembro de 2015, uma Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 379) no Supremo Tribunal Federal (STF).

Em novembro do mesmo ano, uma articulação de entidades da sociedade civil e institutos de pesquisa entregou ao MPF representação denunciando os políticos que foram em seguida listados na ADPF. A representação traz nomes famosos como o do senador Fernando Collor e dos deputados Sarney Filho (PV-MA), Elcione Barbalho (PMDB-PA) – ex-mulher de Jader Barbalho, Rodrigo de Castro (PSDB-MG) e Rubens Bueno (PPS-PR) – líder do partido na Câmara. O próprio MPF de São Paulo já havia protocolado poucos dias antes ação contra veículos de radiodifusão ligados aos deputados paulistas Antônio Bulhões (PRB), Beto Mansur (PRB) e Baleia Rossi (PMDB).

Para o procurador geral da República Rodrigo Janot, a posse de canais de rádio e TV por políticos fere a liberdade de expressão e o princípio de isonomia, segundo o qual os candidatos e partidos devem ter igualdade de chances na corrida eleitoral. Ao emitir parecer favorável à ADPF 379, em agosto último, Janot argumentou que “a dinâmica social produz normalmente desigualdades – há, de fato, aqueles com maior poder econômico ou que detêm, na órbita privada ou na pública, função, cargo ou emprego que lhes confere maior poder de influência no processo eleitoral e político”. Porém, de acordo com ele, “não deve o próprio Estado criar ou fomentar tais desigualdades, ao favorecer determinados partidos ou políticos por meio da outorga de concessões, permissões e autorizações de serviço público, em especial de um relevante como a radiodifusão”. Segundo defendem alguns órgãos do Judiciário, pesquisadores e entidades do campo do direito à comunicação, a prática contraria o disposto no artigo 54 da Constituição Federal, segundo o qual deputados e senadores, a partir do momento em que são diplomados, não podem “firmar ou manter contrato” ou “aceitar ou exercer cargo, função ou emprego remunerado” em empresa concessionária de serviço público. A primeira linha do artigo seguinte da Constituição, de número 55, diz: “Perderá o mandato o deputado ou senador que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior”.

O próprio STF, no julgamento da Ação Penal 530, confirmou que os artigos 54, I, “a” e 54, II, “a” da Constituição contêm uma proibição clara que impede deputados e senadores de serem sócios de pessoas jurídicas titulares de concessão, permissão ou autorização de radiodifusão. Para o Ministro Luís Roberto Barroso, o objetivo desta proibição foi prevenir a reunião entre “poder político e controle sobre veículos de comunicação de massa, com os riscos decorrentes do abuso”. Segundo a Ministra Rosa Weber, “a proibição específica de que parlamentares detenham o controle sobre empresas de radiodifusão” visou evitar o “risco de que o veículo de comunicação, ao invés de servir para o livre debate e informação, fosse utilizado apenas em benefício do parlamentar, deturpando a esfera do discurso público”. A mesma ministra rejeitou, em novembro último, o pedido de liminar impetrado por Michel Temer por meio da Advocacia Geral da União, que pedia a suspensão de processos que contestam as concessões de rádios e TVs em nome de deputados e senadores.

Uma prática antiga

 

Segundo a pesquisadora e professora da UFRJ Suzy dos Santos, o fenômeno de políticos radiodifusores, chamado de “coronelismo eletrônico”, é antigo. Desde o processo de redemocratização, os governos eleitos mostraram-se não apenas tolerantes, mas protagonistas da prática de distribuição de canais de rádio e TV entre aliados políticos. “Demonstramos através de documentos históricos, correspondências, eportagens, a instrumentalização das concessões de rádio e televisão desde o período Vargas até os dias atuais. Você verifica claramente que desde os tempos do PSD, os partidos governistas sempre se mantiveram como os partidos dos políticos donos de radiodifusão”, explica.

No período de 1985-1988, foi ampla a distribuição de outorgas de radiodifusão a parlamentares constituintes. Segundo o pesquisador César Bolaño, “durante o governo do presidente José Sarney, as concessões foram ostensivamente usadas como moeda política, dando origem a um dos processos mais antidemocráticos do processo constituinte. Em troca de votos favoráveis ao mandato de cinco anos para presidente, foram negociadas 418 novas concessões de rádio e televisão. Com isso, cerca de 40% de todas as concessões feitas até o final de 1993 estavam nas mãos de prefeitos, overnadores e ex-parlamentares ou seus parentes e sócios”.

Ao longo dos anos, a prática ficou mais sutil, mas não foi abandonada. O governo de Fernando Henrique Cardoso distribuiu pelo menos 23 outorgas para políticos, enquanto o governo de Luiz Inácio Lula da Silva concedeu, até agosto de 2006, pelo menos sete canais de TV e 27 outorgas de rádio a fundações ligadas a políticos. Entre os anos de 2007 a 2010, 68 congressistas eram ligados a pessoas jurídicas concessionárias de radiodifusão, enquanto no período de 2011 a 2014, 52 deputados federais e 18 senadores eram sócios ou associados de concessionária.

Em relação à legislatura atual (2015-2019), o projeto “Excelências”, vinculado a Transparência Brasil, revela que 43 deputados são concessionários de serviços de rádio ou TV, totalizando 8,4% dos membros da Câmara dos Deputados. Por sua vez, o Senado Federal é proporcionalmente ainda mais marcado por este fenômeno, já que 19 senadores são concessionários, atingindo a marca de 23,5% dos membros da casa. Ou seja, de 594 parlamentares eleitos, 63 são outorgados de meios de comunicação, atingindo a marca de mais de 10% do Congresso Nacional. “No caso de alguns estados como o Rio Grande do Norte, Roraima ou Santa Catarina, a propriedade de canais de rádio e TV por políticos ultrapassa 50% do total”, denuncia Suzy.

Os números apresentados pelo projeto “Excelências” revelam que, para além da vinculação juridicamente registrada de políticos com os serviços de radiodifusão, existem ainda os casos em que os parlamentares mantêm influência a partir de “laranjas” ou parentes no quadro societário dos veículos. É o caso do senador Eunício de Oliveira (PMDB-CE), que tem sua esposa Mônica Paes de Andrade Lopes de Oliveira, o irmão Edilson Lopes de Oliveira e o seu correligionário Gaudêncio Lucena como sócios proprietários da Rádio Tempo FM, em Juazeiro do Norte.

A situação de domínio político sobre os meios de comunicação expõe um grave conflito de interesses, uma vez que o próprio Congresso Nacional é responsável pela apreciação dos atos de outorga e renovação de concessões e permissões de radiodifusão. Segundo explica Camila Marques, advogada da Artigo 19, “a posse dos meios de radiodifusão por políticos afeta a isonomia, o pluralismo e o interesse público porque o sistema brasileiro de regulação de radiodifusão não prevê um regulador independente para deliberar sobre a distribuição do espectro eletromagnético e, por isso, essa deliberação é realizada por um procedimento licitatório em que os parlamentares do Congresso Nacional ocupam um papel central na análise das outorgas realizadas pelo poder executivo”, analisa.

Um dos episódios emblemáticos desta situação foi a aprovação pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados de 38 concessões de radiodifusão e a renovação de outras 65 em apenas três minutos e com apenas um deputado presente no plenário, em 2011. Além disso, há ocasiões em que os parlamentares votam na aprovação das próprias outorgas ou renovações.

Segundo apuração da Folha de S. Paulo, dos 40 congressistas que constam como sócios de rádios ou TVs, sete creem que a legislação permite esse tipo de participação, desde que eles não exerçam funções administrativas nas emissoras. Essa opinião foi manifestada por Baleia Rossi (PMDB-SP), Fernando Collor (PTB-AL), Gonzaga Patriota (PSB-PE), João Henrique Caldas (SD-AL), João Rodrigues (PSD-SC), Ricardo Barros (PR-PR) e Victor Mendes (PV-MA).

Em manifestação encaminhada em maio de 2015 ao Supremo Tribunal Federal, a Advocacia Geral da União (AGU) endossa a tese de que a situação não infringe o disposto na Constituição. O órgão pronunciou-se pela rejeição da ADPF 379, argumentando que “não se pode aferir diretamente desse fato a manipulação da opinião pública, conforme pretende fazer crer o autor”, pois “os preceitos constitucionais invocados estão plenamente assegurados pelo próprio ordenamento jurídico, especificamente pelo Código Eleitoral (Lei n° 4.737/65), que regula a propaganda eleitoral e impede a manipulação de informações e o controle da opinião pública por meio de empresas de radiodifusão”.

Casos de família

Alô, pai / Meu filho, esse negócio que eu li hoje do filho do Aderson Lago, esse sujeito foi muito cruel com a gente, com todos nós, com Roseana (Sarney), comigo. Escreveu aquele artigo outro dia me insultando de uma maneira brutal, vamos botar isso na televisão / (…) O cara já está aqui, da Globo, desde segunda-feira e estamos trabalhando nisso, tá? / Falou com ele isso? / Falei, falei com ele. Falei com ele, mostrei tudo. Vai dar, vai dar certo (…) / Esse foi um assunto que eu peguei desde o começo, consegui, passei pro Sérgio, tô passando pro jornal pouco a pouco (…).

O diálogo transcrito acima [ouça aqui] ocorreu em 2009 entre o senador José Sarney e seu filho, Fernando Sarney, deputado federal, proprietário do Sistema Mirante (formado pela Rádio Litoral Maranhense, Rádio Mirante e pela TV Mirante). A escuta feita pela Polícia Federal foi amplamente divulgada pela imprensa e demonstra a interferência de interesses políticos na linha editorial dos canais de rádio e TV. Na ocasião, o senador José Sarney solicitou a seu filho a utilização da emissora de radiodifusão que possui em São Luís do Maranhão, a TV Mirante, afiliada da Rede Globo, para a veiculação de denúncias contra seus rivais do grupo do ex-governador Jackson Lago.

São muitos os causos do clã dos Sarney quanto à utilização das redes de rádio e TV para beneficiar os negócios da família. Na eleição de 1994 para eleger o governador do Maranhão, o candidato Cafeteira era o principal adversário de Roseana Sarney. Roseana liderava por apenas 1% de diferença nas intenções de voto quando, no início do segundo turno, os jornais e a TV da família começaram a divulgar que Cafeteira havia mandado matar o adversário José Raimundo dos Reis Pacheco. Faltando dois dias para o encerramento da campanha, a equipe de Cafeteira localizou José Raimundo e gravou entrevista com ele para exibir no último programa eleitoral gratuito. Naquela noite, a imagem da tevê desapareceu misteriosamente em todo o interior maranhense. Só a capital são Luís, onde vivia 1/3 do eleitorado testemunhou a imagem do homem dado como morto, atestando, ele mesmo, que o boato de assassinato era falso. O caso foi contado pelo jornalista Palmério Dória no livro “Honoráveis bandidos”, lançado em 2009.

Episódios parecidos se multiplicam Brasil afora. O ex-senador, governador da Bahia por três mandatos (dois dos quais como governador biônico indicado pelo governo militar) e ministro das comunicações do governo de José Sarney, Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA) é alvo de uma longa lista de reclamações contra a utilização política do seu grupo de comunicação. Além da Construtora OAS, comandada pelo seu genro Cesar Mata Pires, seu filho, Antônio Carlos Magalhães Júnior, é presidente da Rede Bahia, que engloba diversas empresas do estado, principalmente de comunicação. São elas: 88.7 Bahia FM,102,1 FM Sul (rádio FM em Itabuna), Correio da Bahia (jornal impresso) teve o nome reformulado para “Correio”, Globo FM (Rádio FM em Salvador), TV Bahia (afiliada da Rede Globo em Salvador e região), TV São Francisco (afiliada da Rede Globo em Juazeiro e região), TV Oeste (afiliada da Rede Globo em Barreiras e região), TV Santa Cruz (afiliada da Rede Globo em Itabuna e região), TV Subaé (afiliada da Rede Globo em Feira de Santana e região), TV Sudoeste (afiliada da Rede Globo em Vitória da Conquista e região), TV Salvador (canal fechado, transmitido em UHF ou por assinatura). Somente no ano de 1993, seu primeiro ano de mandato, a assessoria de comunicação da ex-prefeita de Salvador Lídice da Mata (PSDB) contabilizou a veiculação de 600 matérias contra a sua administração pela TV Bahia, repetidora da Globo, de propriedade da família Magalhães.

No ar, bancada BBB: boi, bala e bíblia

Suzy dos Santos, professora da UFRJ e coordenadora do projeto “Coronelismo eletrônico: as concessões na história política nacional”, explica que a posse direta ou indireta de canais de rádio e TV por políticos produz uma enorme deformidade no regime democrático e guarda semelhanças com formas de poder plutocrático característico da República Velha ou Primeira República (1889-1930), quando o capital político centrava-se em figuras autoritárias que mantinham com seu eleitorado uma relação dúbia de troca de favores, exploração e repressão. No Brasil rural, o poder político está ligado à posse de terras e à exploração da mão de obra campesina em grandes latifúndios. A palavra “coronel” refere-se à patente militar não apenas porque alguns destes políticos a detinha, mas porque, fardados ou não, faziam uso da violência para manter o controle político e perseguir não-aliados. Passados quase 90 anos, o cenário, hoje em dia, não é muito diferente.

Entre os 32 deputados concessionários de rádio e TV listados na ADPF 379, 18 são grandes proprietários de terra ou pecuaristas, compondo a chamada bancada ruralista, que defende no Congresso os interesses do agronegócio; nove são ligados à bancada evangélica; três estão nas duas bancadas. Além disso, dois deputados do conjunto integram também a chamada bancada da bala. No caso dos senadores, figuram na ação os nomes de Aécio Neves (PSDB-MG), Edison Lobão (PMDB-MA), Fernando Collor de Mello (PTB-AL), Agripino Maia (DEM-RN), Tasso Jereissati (PSDB-CE), Jader Barbalho (PMDB-PA), Acir Gurcacz (PDT-RO) e Roberto Coelho Rocha (PSDB-MA), cujo filho é atualmente candidato à vice prefeitura de São Luís. Este último também compõe a bancada ruralista. Os sete demais são alvo de alguma investigação, segundo levantamento da Agência Pública.

Os nomes de destaque na política nacional, entre eles o de Aécio Neves, candidato à presidência derrotado no último pleito, demonstram que o coronelismo eletrônico, diferente do que se possa pensar, não é um fenômeno restrito à zona rural ou às regiões mais pobres do País, mas é generalizado e atinge também os grandes centros urbanos.

Na grande São Paulo, após ações civis públicas movidas pelo MPF e pelo Intervozes, em iniciativa oriunda do Fórum Interinstitucional pelo Direito à Comunicação (Findac), o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) determinou, em abril deste ano, o cancelamento das concessões de cinco emissoras de rádio que têm como sócios proprietários os deputados federais Baleia Rossi (PMDB-SP) e Beto Mansur (PRB). A medida atende ao pedido do Ministério Público Federal que, por meio da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC), em São Paulo, ajuizou ações civis públicas contra os parlamentares em novembro de 2015. Alguns meses depois, porém, a liminar que determinava a retirada do ar da Rádio Cultura FM, e Rádio Cultura São Vicente, de propriedade de Beto Mansur, foi suspensa.

Mais recentemente, em agosto deste ano, também por meio de liminar, foi determinada a interrupção das transmissões da Rádio Metropolitana Santista Ltda (1.240MHz) de propriedade de Antônio Carlos Bulhões (PRB-SP).

Com as decisões, está suspensa a execução dos serviços de radiodifusão da Rádio Show de Igarapava LTDA, Rádio Metropolitana Santista e da Rádio AM Show LTDA, que contam com a participação de Baleia Rossi e Antônio Carlos Bulhões em seus quadros societários. O caso da Rádio Cultura FM em Santos é emblemático, uma vez que além da questão da posse por parlamentar, a emissora havia anunciado a mudança total da programação, arrendada para a Igreja Universal do Reino de Deus em setembro de 2015. A legislação de radiodifusão estabelece que a quantidade máxima de programação que pode ser comercializada pelo controlador da outorga é 25% do tempo total.

“O arrendamento de emissoras de radiodifusão caracteriza comercialização ilícita de outorgas públicas”, explica Bráulio Araújo, advogado, integrante do Coletivo Intervozes e um dos autores das ações contra os parlamentares radiodifusores. As Redes TV, 21 e CNT são as campeãs em arrendamento no país, segundo levantamento feito em 2014, comercializando respectivamente 49% e 91% de seus tempos de programação. Em junho deste ano, a Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei (PL) 2088/15, que permite a transferência de 50% das cotas ou ações representativas do capital de radiodifusão já no primeiro ano de vigência da outorga, e a transferência integral das cotas ou ações apos esse período, alterando a regra atual do Decreto 52.795/1963, que só permite a transferência de outorgas cinco anos após a expedição do certificado de licença para funcionamento (art. 90).

De acordo com a proposta da deputada Renata Abreu (PTN-SP), caso o poder executivo não se manifeste no prazo de 90 dias, a emissora estará tacitamente autorizada a proceder à transferência requerida. O projeto é muito permissivo por reduzir o prazo necessário para a efetivação das transferências e por prever de anuência tácita, caso o Poder Executivo não se manifeste em 90 dias. Segundo Bráulio Araújo, a transferência direta e indireta de outorgas de radiodifusão é inconstitucional pois descumpre a exigência constitucional de prévia licitação, ensejando a negociação de outorgas públicas por particulares e o controle de concessões por terceiros que não participaram do processo de licitação.

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade 2946, a Procuradoria Geral da República questiona um dispositivo análogo da lei de concessões de serviços públicos (lei 8.987/1995), que autoriza a transferência de outorgas. Na ação, a PGR afirma que a autorização legal à transferência direta e indireta de concessões faz com que “a fraude ao sistema da licitação pública atinja raias de literal imoralidade”, vez que permite “a uma determinada empresa especializar-se em ‘vencer concorrências públicas’, repassando- as, em seguida, para empresas realmente interessadas no serviço”.

De pai para filho, de amigo para amigo

A Rádio Cultura AM foi inaugurada inicialmente em São Vicente, em 17 de outubro de 1946 e depois transferida para Santos. A emissora foi fundada por Paulo Salim e Jorge Mansur. Em 1958, o então diretor, Paulo Jorge Mansur, desdobrou a emissora em duas rádios – Rádio Cultura S. Vicente AM e Rádio Cultura de Santos FM –, ambas pertencentes à Sociedade Rádio Cultura São Vicente LTDA.

A rádio foi a segunda emissora do Brasil a entrar no ar e, desde então, cumpre papel político central nas disputas locais. O fundador da rádio, Jorge Mansur, acumulou popularidade ao apresentar o programa “A voz do povo” e foi eleito deputado por três mandatos. A partir de 1964, a Sociedade Cultura de São Vicente LTDA passou a ser constituída por Paulo Roberto Mansur, Gilberto Mansur e Maria Gomes Mansur, filhos de Paulo Jorge Mansur, que se desligou juridicamente, por motivos políticos. Seu filho Paulo Roberto Mansur (Beto Mansur), foi eleito – primeiramente vereador (1989), depois deputado federal (1991), prefeito (1996) e reeleito em 2000 – através da utilização do veículo rádio. A família ampliou seus negócios também para a televisão. Em 2001, os Mansur venceram a concorrência pública do canal 46 de Santos.

O poderio da família Mansur não se esgota nos negócios de mídia. Beto Mansur é empresário e latifundiário. No caso do deputado, a versão moderna do coronel tem raízes arcaicas com a exploração monocultora, a utilização de mão-de-obra análoga ao trabalho escravo e ainda a exploração do trabalho infantil. Em 2014, o deputado foi condenado pelo Tribunal Superior do Trabalho. Em nota publicada à época, Mansur negou as acusações e argumentou que a legislação brasileira é vaga na determinação do que é ou não trabalho escravo, o que acaba “prejudicando enormemente os produtores rurais”. Para livrar-se do questionamento do MPF sobre a posse das rádios, Mansur doou sua participação indireta nas empresas de radiodifusão para seus filhos e esposa.

Baleia Rossi vendeu a sua participação em uma das rádios para um de seus irmãos. A outra rádio, ele alega que foi vendida há alguns anos. Essas medidas estão sendo questionadas pelo MPF no âmbito das ações civis públicas.

O também deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ) utilizou-se de expediente parecido para se defender ao ser investigado pelo MPF por não declarar à Justiça Eleitoral, nas últimas três eleições, ser sócio da rádio Satélite, em Pernambuco. Cunha comprou a rádio em 2005 e segundo afirmou em defesa, vendeu a emissora em 2007. O problema é que o Ministério das Comunicações, onde os registros das rádios são feitos, não homologou a transferência. Cunha afirma que as transações de compra e venda foram declaradas em seu imposto de renda. Atualmente a rádio é explorada pelo pastor R.R. Soares. A representação contra Eduardo Cunha segue em averiguação pelo Ministério Público Federal no Rio de Janeiro.

Na sintonia do golpe

Os políticos na mira do MPF tiveram participação ativa no processo de impeachment da ex-presidenta Dilma Roussef. Dos oito senadores radiodifusores, sete votaram a favor do impeachment e um se ausentou da votação. Dos 32 deputados federais, 23 foram a favor, oito contra e um faltou à sessão. O deputado federal Beto Mansur foi um dos principais articuladores do impeachment de Dilma na Câmara dos Deputados. Papel também crucial teve o senador Aécio Neves. Os golpistas estão muito ligados ao poder midiático. Para se ter uma ideia, no quadro atual do governo Temer, do total de 24 ministros, quatro são radiodifusores. Mendonça Filho, ex-deputado e ex-governador de Pernambuco, ministro da Educação, já esteve entre os acionistas da TV Jornal do Commercio, além da Rádio Difusora de Caruaru, Rádio Difusora de Garanhuns, Rádio Difusora de Limoeiro e Rádio Difusora de Pesqueira. Todas do mesmo grupo do empresário João Carlos Paes Mendonça.

Ricardo Barros, ex-deputado federal e ex-prefeito de Maringá (PR), atual ministro da Saúde, declarou possuir 99% das cotas da Rádio Jornal de Maringá (PR), no valor de R$ 488 mil, o que corresponde a cerca de 30% de seu patrimônio de R$ 1,8 milhão. Hélder Barbalho, ex-prefeito de Ananindeua (PA), ministro da Integração Nacional do governo Temer, também declarou ser dono de TVs no Pará, retransmissoras da Band. Ser ministro e radiodifusor não constitui uma ilegalidade em si. Mas além de misturar os poderes político e midiático de forma pouco saudável para a democracia, em geral os responsáveis pelos ministérios tenham exercido cargo eletivo quando já eram proprietários de meios de comunicação.

Andamento

A ADPF 379 encontra-se nas mãos do ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, relator da arguição. Além do parecer favorável da PGR, o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação e a Artigo 19 protocolaram amicus curiae (intervenção externa em processo através de opinião jurídica) endossando a ADPF. Na contramão, além da AGU, Senado, Câmara dos Deputados e Presidência da República protocolaram manifestações contrárias. A representação contra os políticos radiodifusores de todo o país segue tramitando junto às Procuradorias Regionais dos Direitos do Cidadão do MPF em cada um dos 18 estados de origem dos políticos listados.

Fonte: Reprodução Observatório do Direito e Comunicação.

“Um sindicato é um saco de batatas se não tiver uma comunicação adequada”
22/12/13

Por Bruna Andrade

Nascido na Itália e chegado ao Brasil em 1964, Vito Gianotti foi metalúrgico e deixou de sê-lo, mas não deixou a classe trabalhadora. Como coordenador do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC), que oferece cursos de comunicação sindical em todo o Brasil, ele segue lado a lado, ombro a ombro com os trabalhadores, buscando, através da transformação da comunicação, ajudar a transformar a sociedade. Na entrevista a seguir, concedida com exclusividade ao Jornalismo B, Vito fala sobre a importância e as dificuldades da comunicação sindical e popular.

 

Como começou a atuação do NPC?

O Núcleo Piratininga é um grupo de pessoas – professores, jornalistas, artistas ligados à comunicação, artistas gráficos, designers e companhia – militantes sociais preocupados com a comunicação dos trabalhadores. Porque nós achamos que os trabalhadores têm que ter o seu projeto político e têm que divulgar o projeto social, político. Têm que fazer conhecer. E isso se faz com a comunicação, a mais competente possível, que consiga realmente transmitir essas ideias. Os trabalhadores têm esse direito e essa obrigação, se querem mudar a sociedade. Então criamos (o NPC) pra ajudar, através da nossa experiência – seja de jornalista, seja de professor, seja de militante –, ajudar nesse aspecto da luta por uma transformação social. Ajudar os trabalhadores a melhorar, a aumentar, a potencializar sua comunicação.

 

Qual a importância de fortalecer os espaços de comunicação popular? De que forma isso ajuda as pessoas a se emanciparem?

A comunicação popular significa, pra nós, a comunicação dos trabalhadores. Hoje os trabalhadores têm pouquíssima possibilidade de expressar. Quem se comunica à sociedade é a classe dominante. Eles são os donos das rádios, das televisões, dos jornais, das revistas, das editoras, de tudo que serve pra comunicar. E os trabalhadores têm muito pouca possibilidade. Pra se comunicar tem que ter uma grande capacitação, e tem que ter dinheiro pra poder investir. Então os trabalhadores precisam lutar pelo seu espaço na sociedade, nas comunicações. Seu espaço no sentido de exigir uma legislação mais democrática e justa. Mais democrática no aspecto de ter acesso a rádio e televisão. Hoje os trabalhadores não têm direito a isso. As rádios e televisões estão concentradíssimas nas mãos de alguns pretensos donos – que não são donos, mas se dizem donos – que fazem e desfazem o que bem querem. Queremos que os trabalhadores conquistem a possibilidade de ter suas rádios e suas televisões e financiamento público pra poder funcionar. Então lutamos pela democratização da mídia. E isso significa a possibilidade de ter jornais financiados, com propaganda oficial, com propaganda do governo, tanto quanto hoje os jornais são apoiados pela propaganda oficial das estatais – Banco do Brasil, Caixa Econômica, BNDES, Petrobrás. Nós queremos que tenha um dinheiro destinado ao incentivo à cultura, incentivo à pluralidade, incentivo à expressão das várias vozes que compõem a sociedade, quando hoje está concentrado nas mãos de quem detém o poder econômico. Nós queremos que mude isso, por isso tem a batalha da democratização da mídia, que é uma, e a outra grande batalha que é capacitar os trabalhadores para tomar esse espaço, ocupar esse espaço e se colocar da melhor maneira possível.

 

Como tu vês o cenário atual da mídia comunitária, popular, dos trabalhadores?

Muito fraco, muito pequeno, por várias razões. Não termos meios econômicos é um problema. Mas não é só esse o problema. O problema é não termos a convicção, a certeza, de que a mídia é central na nossa sociedade. A compreensão dos trabalhadores sobre a centralidade da mídia na disputa política é muito pequena. A gente acha que um jornalzinho resolve, um boletinzinho resolve, uma radiozinha comunitária resolve. Não é verdade. Nós temos que ter muito, mas muito, mas muito mais, investindo todo o dinheiro que nós tivermos, os trabalhadores tiverem, os sindicatos, e exigir dinheiro público para isso. Esse é um bordão que eu repito o tempo todo. Isso não significa ter dependência do poder público, significa o poder público, a sociedade, assumir sua responsabilidade com a pluralidade de opiniões, com a divulgação de opiniões de maneira democrática, e não manter a estrutura atual que concentra tudo nas mãos de quem tem o capital.

 

Que obstáculos a mídia sindical tem enfrentado para se expandir?

A mídia sindical, o obstáculo que tem enfrentado é a cabeça do dirigente sindical. Ou seja, a compreensão da imensa maioria dos dirigentes sindicais sobre a centralidade da comunicação é muito pouca. Não têm essa compreensão, não entendem que sem uma comunicação poderosa, forte e muito bem feita, um sindicato não é nada. Um sindicato é um saco de batatas se não tiver uma comunicação adequada. A maneira de um sindicato ter força, ter qualidade, é ter uma comunicação pra divulgar suas ideias, sua visão de mundo, seus valores, para poder convencer dezenas, centenas, milhares de pessoas. Mas essa compreensão está muito ruim, muito fraca, muito pequena entre os próprios sindicalistas. Então nosso esforço tem que ser de convencer da centralidade da comunicação para a disputa política.

 

Falas de uma comunicação apenas para a categoria ou de uma comunicação para toda a classe trabalhadora?

Primeiro a comunicação dos trabalhadores teria que ter uma comunicação dos partidos. Os partidos no Brasil têm uma comunicação paupérrima. Muito pobre, muito pequena, muito fraca, muito insuficiente. Nós não temos um jornal diário de esquerda no Brasil. Existe alguns semanários, poucos, pequenos, insuficientes. Cito o jornal Brasil de Fato, o semanário. E depois existe alguns pequenos semanários, de grupos políticos menores, com uma tiragem insignificante frente ao Brasil, incapaz de conseguir mudar um conjunto de mentalidades da sociedade. A comunicação partidária no Brasil é uma vergonha. Nós não temos um partido de esquerda com um jornal diário. Isso é um absurdo. O que temos são algumas revistas mensais, que são absolutamente insuficientes pra disputar uma visão de sociedade em uma sociedade que muda, que tem um volume de informações enorme. Uma revista mensal é muito insuficiente. Outras formas, além do jornal: rádios. As rádios comunitárias são ridículas. O alcance delas, pela lei, é super insuficiente. Um alcance muito pequeno, sem nenhuma estrutura, sem nenhum instrumento para expandir suas ideias. Televisão comunitária: falta verba, falta investimento, falta compreensão da esquerda como um todo, do movimento sindical e do movimento popular, da necessidade de a gente exigir, reivindicar, impor a nossa televisão e investir nisso. Internet: o uso da internet é um uso importante, atual, moderno, mas não podemos cair na bobagem de colocar ou internet, ou jornal, ou rádio, ou televisão. Nós, hoje, temos que repetir sempre a mesma frase: é internet, mais rádio, mais televisão, mais jornal, mais livro, mais mil maneiras. Não podemos cair na ilusão de que a internet resolve o problema. A internet é um dos instrumentos, que não substitui absolutamente os outros. Nós temos no Brasil 60% de analfabetos totais e analfabetos funcionais, ou seja, 60% da população não chega perto do Facebook, do Twitter, do Youtube. E daí? Temos que ter outros instrumentos. Por exemplo, o rádio. Mas não é uma radiozinha comunitária. Nós temos que ter grandes rádios FM. No Uruguai, a partir desse mês de dezembro, a central sindical uruguaia vai ter uma concessão pública de rádio FM nacional. A televisão no Uruguai vai ter uma TV aberta, de canal aberto, para a central sindical. E no Brasil nós não temos nada disso. Temos que revolucionar todo o sistema de concessão de rádio e televisão. Temos mil passos a dar. Nós estamos hoje, no Brasil, do ponto de vista das comunicações, estamos na vanguarda do atraso na América Latina. Somos o país mais atrasado na democratização das comunicações.

Que características principais deve ter uma boa comunicação sindical?

Tem que ter um conteúdo bom. Se não soubermos o que dizer, é melhor ficar quieto. A comunicação sindical tem que ter um conteúdo capaz de disputar a hegemonia na sociedade. Isto é, dialogar com a categoria e dialogar com a sociedade como um todo. Com a categoria vai dialogar mais assuntos imediatos, mais diretos, mais concretos do dia a dia. Mas no mesmo jornal, no mesmo Facebook, no mesmo site, no mesmo programa de rádio e televisão que o sindicato venha a fazer, tem que dialogar seja com o trabalhador do ponto de vista dos interesses imediatos, concretos, seja do ponto de vista de uma nova sociedade. Ou seja, os valores que o sindicato tem que defender devem ser valores gerais da sociedade. Valores da categoria e valores de uma sociedade democrática, livre, solidária, uma sociedade onde todos tenham direito a serviço público decente, a saúde decente, a educação decente. O mesmo pra um sindicato de pedreiro e um sindicato de professor, de engenheiro. O sindicato de engenheiro tem que pensar na saúde do povo brasileiro, sindicato de ferroviário tem que pensar na educação do conjunto do povo. Temos que disputar todos os temas: tratar de temas imediatos e temas históricos dos trabalhadores, ou seja, interesses do dia a dia e interesses de uma nova sociedade. Não porque o sindicato seja um partido, não é um partido, mas tem um projeto político de sociedade, isso em uma visão de sindicato que eu defendo. Então a primeira característica é ter um bom conteúdo, capaz de atender aos interesses imediatos e gerais da sociedade. A outra coisa: a nossa comunicação sindical, popular ou comunitária tem que ser passada – escrita ou passada por rádio ou televisão – em uma língua que o povo entenda. Tem que ser uma linguagem que não seja aquele clássico juridiquês, economês, politiquês, intelectualês. Tem que ser falado ou escrito em uma língua que o povo entenda. E a terceira coisa é que tem que ser muito bonita. Porque ou nós fazemos coisas bonitas ou os nossos jornais, boletins, programas de rádio e televisão não serão vistos, nem lidos, nem ouvidos, porque ninguém quer ver coisa feia. E no Brasil temos um problema, que é um fato: a comunicação dos patrões, dos nossos inimigos, é muito bonita. A Rede Globo desgraçadamente é tremendamente bonita. E ou nós fazemos coisas tão bonitas quanto a Globo ou ninguém vai olhar nossos programas de televisão, vai ouvir nossos programas de rádio e ler nossas revistas e nossos jornais.

Que medidas são mais urgentes na democratização da comunicação?

Que medidas? Todas. Porque não temos nenhuma. Hoje em dia tem um abaixo-assinado que está rodando, mas que quebra o galho. É uma das vinte e tantas coisas que temos que fazer. O que temos que fazer é convencer o conjunto do movimento social, movimento sindical, movimento político, movimento partidário de esquerda, de que ou nós temos uma comunicação capaz de divulgar as nossas ideias, de disputar hegemonia com o outro lado, ou nós não chegaremos nunca a nada. É pura ilusão. Temos uma bela porcaria de comunicação. Tanto é que a classe dominante, a classe burguesa, a classe patronal, a comunicação comercial, a comunicação empresarial está por cima da carne seca. Os valores da sociedade são os valores deles: o individualismo, a negação do Estado, a negação das obrigações públicas, a necessidade de privatizar tudo, de terceirizar tudo…todos os valores do neoliberalismo são os valores dominantes hoje em dia. Nós temos que

combate-los todos para colocar outros.

Como tu avalias a atuação dos governos Lula e Dilma na questão da mídia?

Uma desgraça. O governo Lula não fez quase nada durante anos na comunicação. A única coisa decente que eu vi foram os Pontos de Cultura, foi um momento em que o governo avançou um pouco na comunicação. Um pouco. Mas logo, logo esqueceu. E o governo Dilma esqueceu tudo, voltou atrás, diminuiu qualquer apoio à pluralidade de opiniões, pequenos jornais, jornais de bairro, jornais dos pequenos movimentos, e não avançou absolutamente nada na democratização das ondas do rádio. Ao contrário, está sendo reforçado tudo o que é inimigo dos trabalhadores do ponto de vista da comunicação. Em uma nota de zero a cem, eu colocaria um.

Núcleo Piratininga de Comunicação

Vito Giannotti: A democratização da comunicação
17/10/12

Por Eduardo Sá

Com forte sotaque estrangeiro, Vito Giannotti é um italiano obcecado pelo Brasil e pela comunicação dos trabalhadores. Autor de vários livros sobre história dos trabalhadores e outros tantos sobre comunicação e hegemonia. Familiarizado com os movimentos populares e as mídias alternativas do Rio de Janeiro e do Brasil afora, coordena o Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC), que se tornou referência na comunicação sindical e comunitária do país. Luta por uma mídia plural, democrática e popular, pautada por um projeto dos trabalhadores e não pelo lucro. Em entrevista a Caros Amigos, Vito Giannotti conta a história do NPC, que neste ano completou 20 anos de serviços prestados à comunicação sindical e popular. Ele fala também sobre os avanços que têm ocorrido no campo das comunicações na América Latina, analisa por que o governo brasileiro não democratiza o sistema e a esquerda tem dificuldade de criar seus próprios veículos. Para ele, é uma questão muito mais política do que econômica. Seu refrão é: precisamos perder qualquer ilusão com o modelo hegemônico de sociedade e de mídia patronal.,

Caros Amigos – Você pode nos contar um pouco da sua história, como se meteu na comunicação?

Vito Giannotti – Eu comecei a mexer com comunicação a partir do primeiro dia que botei o pé no Brasil vindo da Itália, porque nós estávamos numa ditadura e eu era contra. O regime militar queria ganhar as pessoas para o seu projeto. Convencia as pessoas com as suas rádios, com a TV Globo que criaram em 1965, com a sua televisão, com os seus jornais e a mídia toda que apoiou a ditadura. Se éramos contra, tínhamos que comunicar as ideias. Eu estava numa organização política chamada Ação Popular. A gente fazia jornalzinho, boletim, panfleto e, depois, eu comecei a trabalhar como metalúrgico, antes era pescador. Nós tínhamos um movimento chamado Oposição Sindical Metalúrgica, contra os pelegos, interventores colocados por militares, contra os patrões da Fiesp e a ditadura militar. Tínhamos que fazer jornaizinhos e panfletinhos clandestinos. Como havia saído de uma faculdade na Itália, que abandonei para entrar na luta política, tinha mais facilidade de escrever. Assim peguei o gosto da comunicação sindical com os trabalhadores. Fiquei em São Paulo 30 anos obcecado pela comunicação e uma das minhas paixões foi a linguagem. Muitos dos nossos jornais de esquerda eram escritos como se fosse em árabe e os trabalhadores não acompanhavam. O brasileiro não está acostumado a ler, então tinha que ter uma linguagem que fosse entendida por quem você quer atingir. Escrevi vários livros sobre linguagem sindical, o primeiro foi em 1982. A comunicação sempre foi uma preocupação enorme, porque para chegar aonde queríamos, a uma sociedade justa, igualitária, fraterna, ou seja, socialista, temos que convencer milhões. Luiz e Rosa Sundermann. Uma das teses é de que, naqueles anos, como o recruta que marchava em passo diferente de todos os demais, cada pecebista se via como “o único de passo certo” no desfile político.

Reprodução Revista Caros Amigos

Para Vito Giannotti, comunicação sindical deve falar do “imediato” e do “concreto”, mas sem esquecer dos “interesses históricos dos trabalhadores”
05/09/12

Por FENAJUFE - Leonor Costa

O coordenador do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC), Vito Giannotti, explica à Agência de Notícias da Fenajufe a sua avaliação sobre como está a comunicação dos sindicatos no Brasil e o que é preciso melhorar para “disputar a hegemonia” com a pauta dos trabalhadores.

Italiano que chegou ao Brasil em 1966 e foi metalúrgico em São Paulo – tendo militado no Movimento de Oposição Metalúrgica de São Paulo (MOMSP) na década de 70 - Vito Giannotti atualmente se dedica, por meio do NPC, a cursos de formação para jornalistas e militantes sociais de esquerda e também a pensar a comunicação dos movimentos sociais. Autor de História das Lutas dos Trabalhadores no Brasil e Comunicação Sindical: a arte de falar para milhões, entre outros livros, Vito participou do 1º Encontro Nacional de Comunicação da Fenajufe em 2001 e retornou ao 6º Encontro, realizado nos dias 10 e 11 de agosto, em Brasília, oportunidade em que falou para jornalistas e dirigentes da Fenajufe e sindicatos filiados. Mais de uma década do primeiro evento até esse mais recente, ele foi capaz de fazer uma análise precisa da conjuntura do movimento sindical e de como está a comunicação dita dos trabalhadores. Para ele, os sindicatos precisam investir em vários veículos de comunicação, aproveitando as novas tecnologias disponíveis, mas sem abandonar o jornal impresso. Além disso, a linha editorial deve dosar os temas específicos da categoria e os de interesse geral dos trabalhadores. “Falar do imediato, sim. Do concreto, sim. Mas ao mesmo tempo falar dos interesses históricos dos trabalhadores, de uma sociedade democrática, solidária, justa, ou seja, socialista”, defende Vito.

Confira abaixo a entrevista concedida à Fenajufe, depois do 6º Encontro Nacional de Comunicação.     

Vito, você tem acompanhado ao longo das últimas décadas a comunicação das entidades sindicais. Como você avalia esse setor hoje nos movimentos sociais e sindicais, do ponto de vista de estrutura e de conteúdo dos materiais produzidos? Você considera que houve avanço nos últimos anos?

Sim, claro que houve avanços. A internet permite milagres, seja para os conteúdos, seja para a forma dos nossos materiais. Mas não podemos nos iludir. Houve avanços e também tremendos retrocessos. Em 1990 tínhamos seis jornais sindicais diários. Hoje temos um e meio. Muitos jornais nossos passaram de semanais a quinzenais ou até mensais. E mesmo no campo da comunicação eletrônica há muito a fazer. Quantos sindicatos tem um boletim eletrônico DIÁRIO? A gente se escuda muito atrás da página, a famosa home page ou até da rádio web, ou TV web. Mas isso é muito pouco. Precisamos encarar o desafio de disputar a hegemonia com nossos inimigos. A hegemonia por enquanto é deles. E o primeiro passo para chegar a nossa hegemonia é o “convencimento”, diria Gramsci, isto é, a comunicação.

Falando especificamente dos sindicais do Judiciário e do MPU, pelo que você tem acompanhado, na sua avaliação, eles desenvolvem uma comunicação eficiente para a luta dos servidores ou ainda é preciso melhorar muito?

Acho que a Fenajufe, com seus sindicatos do Judiciário e MPU, tem feito muito esforço para ter uma comunicação capaz de defender os interesses da categoria. Basta pensar nos seis Encontros Nacionais de Comunicação que vocês promoveram. Mas, de novo, não vamos nos enganar. Nossa comunicação precisa não simplesmente ser eficiente. Precisa ser mais eficiente do que a deles. Deles quem? Dos neoliberais que determinam o pensamento geral na sociedade. O neoliberalismo domina não só a política brasileira como a mundial. A batalha é enorme. Precisamos convencer milhões de todo o contrário do que prega a ideologia dominante. Para isso, precisamos de muita luta social, com associações de todo tipo, sindicatos, federações, centrais, partidos dispostos a combater os fundamentos desta sociedade e construir outra totalmente diferente. Muita luta social e política e, para isso, uma comunicação que mostre e divulgue a necessidade e o caminho dessas lutas. Você pergunta se é preciso melhorar muito ainda nossa comunicação. Eu te diria, muito não, muitíssimo. Infinitamente.

Vários sindicatos vêm investindo consideravelmente nas novas tecnologias e em veículos de comunicação, como rádio e TV web e nas redes sociais. Sem dúvida, esses instrumentos têm contribuído muito para facilitar a comunicação com os trabalhadores, mas qual a sua avaliação em relação ao jornal impresso? Ele ainda continua sendo o principal meio de comunicação a ser utilizado pelas entidades sindicais?

As novas tecnologias são muito úteis, mas não há milagre. Sem uma comunicação intensíssima, DIÁRIA, com todos os meios, estaremos longe, anos luz de disputar a hegemonia com nossos inimigos. Eles têm rádios, TVs, jornalões, revistas, editoras e toda a mídia eletrônica. Nós precisamos exigir da sociedade política, do governo, tudo isso nas mãos do povo. Este é o fundamento da luta pela democratização dos meios de comunicação. Sabemos que, hoje, no Brasil, para ter uma concessão de rádio ou TV é só ser um cara de direita que facilmente será agraciado. É preciso uma mudança total nesta lógica. No mínimo como está acontecendo na Argentina e no Uruguay. Agora, enquanto não revolucionarmos completamente o sistema de concessões de rádio e TVs, podemos e devemos continuar a ter nossos jornais. O jornal é um forte instrumento para os trabalhadores comunicar suas ideias e disputar políticas. Mas, para isso, ele precisa existir, ser muitíssimo bem feito, escrito em português e não em chinês e ser distribuído. Além disso, há todo o capítulo do conteúdo, da pauta da nossa comunicação que merece uma longa conversa.  

Em relação à linha editorial dos materiais das entidades sindicais, você sempre alerta sobre a importância de não trazerem somente matérias específicas das categorias (do umbigo, como você chama), mas de assuntos gerais que abordam outros temas de interesse dos trabalhadores. Fale mais sobre essa sua avaliação.

Bom, isso depende de que sindicato estamos falando. Há sindicatos que são absolutamente dentro do sistema, completamente pelegos. Sindicatos que, quando muito, lutam por coisas imediatas, concretas, sem se importar minimamente com uma mudança radical da sociedade de exploração e opressão dos trabalhadores na qual vivemos. São sindicatos que só pensam no umbigo da categoria. Não querem saber da política geral. Não querem saber como vai a Educação, a Saúde, os serviços públicos. Não lhes interessa a luta pela Reforma Agrária, nem a situação dos índios ou dos quilombolas. Não estão nem aí. Para eles é só conseguir uns 10% aqui, uma melhora ali, um PCS amanhã e tudo vai bem. Machismo, racismo e tudo mais não são com eles. Estes sindicatos são muitos e são ótimos para manter o sistema como está. Para quem quer mudar a sociedade injusta de hoje e construir outra, justa e solidária, no caminho do socialismo, é preciso ter uma comunicação que dispute tudo com nossos inimigos. Ou seja, dosar os temas da nossa comunicação: falar do imediato, sim. Do concreto, sim. Mas ao mesmo tempo falar dos interesses históricos dos trabalhadores, de uma sociedade democrática, solidária, justa, ou seja, socialista.    

Abrindo um pouco mais o leque de atuação e indo para além dos sindicatos, como você vê a comunicação produzida pelo campo considerado de esquerda? Temos jornais, revistas e portais que deem conta das nossas demandas? Na sua avaliação, ainda temos o desafio de fazer o grande jornal de toda a esquerda brasileira? E na atual conjuntura, isso é possível?

A comunicação de esquerda está longe, longe, longe de responder ao desafio de construir outros valores, outra prática social, outro mundo do que o capital quer. Marx dizia, em a A Ideologia Alemã: “As ideias dominantes numa determinada época são as ideias da classe dominante”. A luta pela construção de uma outra sociedade é política, econômica, militar e ao mesmo tempo ideológica. Sem isso estaremos criando a ilusão de ter construído um Estado socialista.  O desfio de construir um jornal de esquerda é sempre presente. Não um, mas vários, três, quatro, com as várias visões existentes na esquerda. Jornal, quero dizer, JORNAL: diário. Se é possível? Com certeza é necessário. Já teve isso no Brasil, em 1905, 1919, 1946. Só que hoje não é só de jornal que precisamos. É de toda a mídia: jornal, revista, rádio, TV, blogs, facebook e tudo mais.

Você que participou do 1º e do 6º encontros de comunicação da Fenajufe, e também tem contato com o movimento sindical do Judiciário e do MPU, qual o recado você passaria aos jornalistas e dirigentes das nossas entidades?

Amig@s, vamos melhorar por mil nossa comunicação. Nossos inimigos, na lógica neoliberal, querem destruir todos os vestígios das conquistas e direitos dos trabalhadores, fruto de séculos de luta. Isso no Brasil e no mundo. É só olhar para a Europa, da Grécia à Portugal, da Espanha à Itália, da Irlanda ao próximo país vítima do neoliberalismo. Salários, aposentadorias, saúde, e, sobretudo, empregos estão sendo destruídos. E nós, no Brasil, não estamos na lua, nem em Marte. Estamos, neste momento, correndo o perigo imediato de ver a CLT cair por terra, virar uma peça de enfeite e em seu lugar entrar uma falsa “livre negociação”. A Rede Globo, Veja, Folha, Estadão, Correio Brasiliense e toda a mídia patronal apoiam este plano. Por isso, vamos comunicar, divulgar, disputar nossa política, até, um dia, ela ser hegemônica.

Reprodução FENAJUFE - Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal e Ministério Público da União

O movimento sindical ainda não entendeu o papel da comunicação
31/08/03

Por Elton Viana

Entrevista concedida por Vito Giannotti ao jornalista Elton Viana, editor do Jornal da CUT Ceará. 

 

 

CUT Ceará. O movimento sindical brasileiro vive um dilema. Apoiou Lula durante a eleição e no entanto tem de se manter autônomo e independente. Qual o papel que a comunicação sindical desempenha nesse processo?

 

Vito Giannotti. A comunicação sindical deve refletir as idéias do sindicato. Ou seja, este é um problema de definição política do Sindicato. O conjunto do sindicato e nossa Central devem primeiro definir sua relação política com este governo que ajudamos a eleger e depois ter uma comunicação com os trabalhadores que reflita esta decisão. O papel da comunicação neste momento continua a ser o de disputar a hegemonia na sociedade com os inimigos dos trabalhadores: industriais, banqueiros, latifundiários, com os patrões, enfim. E naturalmente com os donos do capital mundial: FMI e as multinacionais. É uma disputa com essas forças e com todas as estruturas que os sustentam: organizações patronais, culturais, a estrutura escolar, e com toda a mídia que  tradicionalmente sempre esteve a serviço de manter esta chamada ordem. Órdem, que,na verdade é uma desordem.`´E a continuação da Casa Grande e da Senzala da época da escravidão. 

 

CUT Ceará. Que tipos de veículos de comunicação um sindicato ou uma Central sindical devem desenvolver?

 

Vito. Todos. Não podemos nos satisfazer com um jornalzinho, ou com um outdoor. A burguesia, nossa inimiga de classe, usa todos os instrumentos, ao mesmo tempo. Vai de Gutemberg ao Bill Gates. Ou seja, para conservar a sociedade como esteve durante quinhentos anos, ela usa o jornal, o rádio, a televisão, a internet e todos os outros instrumentos que o dinheiro lhe permite. Nós, movimento sindical, precisamos usar todos os instrumentos possíveis. Usar de forma criativa, sempre atualizada, sempre mais intensa. E usar com todas as técnicas que o povo está acostumado a ver na TV, nos jornais, ou ouvir pelo rádio. É claro, sempre selecionando os instrumentos e as técnicas que melhor se adequam a uma prática participativa e libertadora, como deve ser a nossa.Temos que nos dispor a aprender sempre. A melhorar sempre. A aumentar, cada vez mais, o volume da nossa comunicação. E isto na nossa comunicação escrita, nos programas de rádio, no uso de vídeos, no uso da internet. Por quê? Porque queremos ganhar a disputa na sociedade. Queremos convencer milhões que uma outra sociedade é possível. Convencer que o socialismo, que está escrito nos princípios da nossa Central, é este outro mundo possível.  

 

CUT Ceará. Uma proposta histórica da CUT, na área da comunicação, é a criação de um jornal nacional da CUT. Completando 20 anos no próximo dia 28 de agosto, por que o senhor acha que esse projeto nunca vingou?

 

Vito. Porque não entendemos o papel da comunicação para a mudança desta sociedade.  No editorial  do primeiro número do jornal japonês, Joji Shimbum, em 1875, estava escrito: “Um partido sem jornal é como um exército sem armas”. E o que serve para um partido serve para uma Central. No entanto, nós somos forçados a ler notícias da nossa Central na Folha de São Paulo, que é um ótimo jornal… neoliberal. Esta é a nossa condenação… por que não temos o jornal da nossa Central. O mesmo vale para o partido. Nenhum partido nosso, de esquerda, tem um jornal/jornal. Isto é um jornal diário. E no entanto, em 1919, aqui no nosso país,o jornal anarquista A Plebe, durante seis meses foi diário. Em 1946, o Partido Comunista editava 8 jornais diários. E hoje nós temos a Folha de São Paulo para nos dar áulas de política neoliberal. 

 

CUT Ceará. E qual a importância de se desenvolver uma política nacional de comunicação da CUT?

 

Vito. A CUT tem, em seu ideário, uma definição por uma sociedade democrática e socialista. Duas vezes, no estatuto da CUT, se fala em socialismo. E como convencer a sociedade, como convencer os milhões de trabalhadores que devemos caminhar neste sentido? Como convencer milhões de trabalhadores a ir para a luta a fazer uma greve, fazer uma manifestação? O meio é o convencimento… isto é, a comunicação.E para convencer milhares e milhões precisamos de muitos jornais, muitos programas de rádio, produzir e usar muitos vídeos, usar e abusar da internet, estar na TV Comunitária, usar a Web-Rário, enfim fazer da comunicação nossa atividade principal. É com ela que temos que organizar a base para a luta cada vez mais difícil contra o capital e seus representanres. 

 

CUT Ceará. Os informativos dos sindicatos, aqui no Ceará, alcançam um maior número de leitores que todos os outros veículos de comunicação da grande imprensa. Que  tipo de iniciativa deve ser tomada pelos sindicatos para criarem um veículo de comunicação que verdadeiramente venha a se contrapor à grande mídia?

 

Vito. A CUT pode ter um papel fundamental de unificar, de aglutinar ou, no mínimo de ser um motor de arranque de iniciativas unificadas. Passos podem ser dados, sem ilusão que vai ser fácil. O sectarismo e o exclusivismo presentes na nossa cultura sindical dificultam tremendamente. Mas, ou avançamos nesse sentido, ou nossos inimigos avançam.   

 

CUT Ceará– Como o senhor avalia a atual política de comunicação da CUT Ceará?

 

Vito. A CUT Ceará está dando passos importantes. Já tem uma bela página eletrônica. Tem um informativo etc. Mas não podemos nos dar por satisfeitos. Tasso Gereissati tem muito mais do que a CUT/CE. Só podemos descansar quando a coisa se inverter. Nós por cima e Tasso por baixo. Tasso e toda a classe que ele representa: a velha e nova classe dos exploradores do povo cearense.   

 

CUT Ceará.  Para finalizar, existe liberdade de imprensa no Brasil?

 

Vito. Liberdade de fazer uma jornal até que tem. Evidentemente há um enorme fosso entre os meios econômicos da burguesia e os dos trabalhadores.A resposta, quando se trata das concessões de rádio e televisão é NÃO. Não há liberdade. Os canais de televisão, a TV a cabo, e as rádios são capitanias hereditárias doadas aos amigos do poder. Até agora foi assim. Esse é o grande desafio do Governo Lula. Sem esta democratização dos meios de comunicação, a hegemonia na sociedade será sempre daqueles que a detêm desde Pedro Álvares Cabral. A frase jocosa que se fala é que precisa fazer uma reforma agrária no ar. Ou seja, rever todas as concessões de rádio e TV. Isso é uma revolução. Sem esse passo inicial, a hegemonia continuará nas mãos dos Marinhos, dos Frias, dos Sirotskis, dosMesquitas, dos Silvios, e dos bispos Macedo e companhia.E de qual lado estes grupos econômicos estão? 

 

Reprodução NPC - Núcleo Piratininga de Comunicação

“Lugar de mulher é na construção da história, dona de suas idéias, de seu corpo, de seus sentimentos e feliz”
16/05/2006

Debate Sindical – O que significa, para você, o Dia Internacional da Mulher?

Vito Giannotti – É a ocasião de levantar o tema da situação da mulher. A maioria das mulheres vive, ainda, numa situação de dominação e opressão específica. Claro que a principal contradição, na nossa sociedade, é a situação de exploração devido à estrutura capitalista na qual vivemos e mais ainda, hoje, na situação de domínio neoliberal. Claro que este fato determina toda uma estrutura absolutamente injusta de exploração, opressão, dominação e discriminação de qualquer homem e mulher que não seja da classe dominante.

Mas, ao lado disso, temos uma situação histórica concreta que faz com que as mulheres da classe trabalhadora, do povo, sejam duplamente oprimidas, exploradas, controladas, esmagadas e castradas. São elas as primeiras a pagar a conta da situação de exploração da classe. Elas que carregam um peso de séculos e milênios de humilhação, super-exploração e opressão que lhe são específicas. É a mulher que aparece por aí de olho roxo, como vimos nas páginas dos jornais cariocas no dia 1º de março. Uma mulher apanhou do marido porque ele se irritou com o trânsito. Quantos casos como esses temos notícias no nosso dia-a-dia? É a mulher que, em 99% dos casos, acorda de noite para cuidar do filho doente. É ela quem o leva para o posto de saúde e, conseqüentemente, perde o emprego. É ela que vai às reuniões na escola do filho.

O dia da Mulher é a ocasião de refletir sobre tudo isso. Ajuda a colocar um problema que durante o ano todo, na maioria dos casos, é relegado ao décimo lugar das prioridades da luta social. O 8 de Março propicia esta discussão. Agora, se não se tomar cuidado, o 8 de Março vira mais um dia com o objetivo de aquecer as vendas do comércio como o dia das mães, dia dos namorados etc.

Já encontramos sindicatos, movimentos sociais e ONGs (Organização Não-Governamentais) que, pensando em fazer algo para o Dia da Mulher, resolve distribuir rosas. Na minha opinião, isso é o mesmo que dar uma panela de pressão ou um liqüidificador para a mãe, no Dia das Mães. O 8 de março é para reafirmar a luta da mulher por sua total libertação de todos os jugos: do patrão, do pai, do marido das proibições culturais e religiosas.

Debate Sindical – A luta da mulher é a mesma dos homens, ou tem aspectos específicos?

Giannotti – É uma luta geral e específica. Sabemos que a principal luta de homens e mulheres é para construir uma sociedade justa, livre e solidária. Isto é, construir uma sociedade socialista. Essa é a primeira luta, a principal. Mas a sua situação específica das mulheres não vai ser resolvida automaticamente, como numa mágica, quando chegar à sonhada sociedade socialista. Infelizmente, vimos, em muitos países que fizeram uma experiência socialista, que a situação da mulher não mudou automaticamente. 
 

Na URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), mulher continuava a levar chifres do seu ilustre companheiro socialista, a levar porrada do pai, dos irmãos e do querido companheiro de cama. É só reler o livro clássico, A Nova Mulher e a Moral Sexual, de Alexandra Kollontai, de 1919, para ver como a situação da mulher não se resolveu automaticamente com a Revolução Russa.

A mulher só vai se libertar se tiver uma luta específica de anos e de séculos para superar a herança infernal de humilhação e desvalorização a qual ela foi submetida. A triste herança da nossa cultura ocidental, influenciada pela moral judaico-cristã-muçulmana, é um fardo que vai exigir séculos e séculos para ser superada. A visão que tornou a mulher objeto de uso do macho, para seu deleite e aproveitamento, está enraizada em nossa sociedade e só será varrida do mapa, com séculos de luta explícita, positiva, afirmativa das mulheres e dos homens que se disponham a levar esta luta conjuntamente. Mas, não é só nossa herança judaico-cristã-muçulmana que determinou a atual situação da mulher. O que era a mulher na Grécia antiga, confinada ao gineceu? O que significava para ela a tal democracia grega? Elas votavam, discutiam, apitavam alguma coisa?

E em outras sociedades não ocidentais, não é que a mulher tenha se dado muito melhor. Por isso repito, serão precisos séculos e milênios para as mulheres superarem a situação de inferiorização, em todos os sentidos, a qual foi submetida. Por isso, cada 8 de Março é mais um tijolo na construção de uma nova mulher: livre, respeitada e participante da construção de uma nova sociedade, a sociedade socialista, onde ela terá mais condições de consolidar suas conquistas. É por isso que lutamos.

Debate Sindical – A luta da mulher é uma só, independentemente de sua classe?

Giannotti – Não. A sociedade é dividida em classes. Esta é a primeira realidade, profundamente cruel. Morar numa favela e viver com R$ 200,00 por mês é completamente diferente de quem mora num belo condomínio fechado, com piscinas, saunas e arames farpados e eletrificados em volta, e com uma renda familiar de uns 15 ou 20 mil reais. A madame ou a intelectual que vive nesta situação está a anos luz de distância da mãe solteira, ou da mãe de dois ou três filhos que foi “largada” pelo marido que a trocou por outra. Acordar às duas da madrugada para ir mendigar um miserável e indecente atendimento num posto do INSS para o filho doente coloca esta mãe em situação absolutamente diferente da de 15 mil mensais que tem uma empregada-escrava, que dorme no trabalho que vai cuidar da sua casa enquanto ela vai tranqüilamente levar seu filhinho no seu convênio de luxo onde será atendida como uma princesa.

Mas, há uma coisa em comum entre a patroa, seja ela artista global, escritora, engenheira ou juíza, e a sua empregada doméstica: as duas estão sujeitas a levar um soco no olho, quando o marido-machão se enfezar. Igualzinho. Doutora da USP ou meninota de baile funk terão que usar óculos para esconder o olho roxo.

Esta é a luta comum. As duas são desvalorizadas, humilhadas de mil formas por seus lindos companheiros. As duas terão que fazer regime (claro que em condições totalmente diferentes) para não serem trocadas por outras mais magras por seus machos.  As duas têm que assistir centenas de comerciais de mulheres esbeltas, magérrimas, esqueléticas mostrando para elas o ideal valorizado no mercado.

Há uma grande luta a ser feita por todas as mulheres. Mas, eu acho que, na situação de profundíssima injustiça da nossa sociedade brasileira, não dá para as duas estarem na mesma barricada. Pelo menos na mesma hora. São mundos absolutamente distantes, contrários e inimigos um do outro. E o mundo da mulher do povo explorado, tanto ela quanto seus companheiros homens por esta sociedade capitalista-neoliberal, só existe porque existe o outro. É criado pelo outro.

Claro que a responsabilidade não é individual de cada membro da classe exploradora. Mas é responsabilidade de cada um, macho ou fêmea, que pertence àquela classe e não lute para acabar com este verdadeiro apartheid social.

Debate Sindical – Você fez uma pesquisa detalhada sobre o Dia Internacional da Mulher? Como surgiu a data?,

Giannotti – O Dia da Mulher nasceu no EUA, em 1908, por iniciativa da Federação Autônoma das Mulheres da região de Chicago. Foi no dia 4 de maio daquele ano. Essas mulheres, na sua quase totalidade pertencentes à classe média, já lutavam por igualdade com os homens e sua primeira reivindicação era o direito de voto. No ano seguinte, as mulheres do Partido Socialista Americano convocaram o Dia da Mulher para o último domingo de fevereiro. Por conta delas e com a força do Partido por trás declararam esta comemoração como o primeiro dia da Mulher. Na verdade não seria. Mas ficou sendo. Neste dia participaram muitas operárias do Partido ou simpatizantes. Sobretudo estiveram presentes, neste dia, mais de duas mil operárias têxteis que tinham acabado de fazer uma greve vitoriosa apoiada pelo Partido.

Em 1910, as mulheres socialistas marcaram de novo o seu dia para o fim de fevereiro. Em agosto deste ano, em Copenhague, Dinamarca, aconteceu um Congresso da Internacional Socialista. Após o congresso as mulheres realizaram a sua 2ª Conferência Internacional. Nesta, decidiram que as mulheres socialistas, cada uma em seu país, festejariam o Dia da Mulher, num dia destinado só a esta comemoração. Não se definiu data nenhuma. Cada país escolhia sua data. Em 1914, as mulheres do Partido Socialdemocrata Alemão comemoraram o seu dia em 8 de março, sem nenhuma razão especial. Em 1917, em São Petersburgo, Rússia, em 27 de fevereiro, no calendário russo, mulheres tecelãs e costureiras iniciaram uma greve que acabou sendo o estopim do começo da Revolução Russa. No ocidente o 27 de fevereiro era o dia 8 de março. Em 1918, as revolucionárias russas comemoraram o sue dia em 8 de março, para lembrar a greve do ano anterior. Finalmente em 1919, Alexandra Kollontai, única mulher do Comitê Central do Partido Comunista Russo, declarou o 8 de março como data mundial para o Dia da Mulher. A nova Internacional, a Internacional Comunista, adotou esta data e a indicou às mulheres comunistas do mundo todo.

Durante a década de 30 e 40 a data foi esquecida. Nos anos 1950, o Partido Comunista Francês começou a montar a historinha de uma greve nos EUA, em 1857, com 129 mulheres queimadas etc. etc. Fez isso para tirar a marca muito forte de Dia das Mulheres Comunista. A historinha pegou e, a partir de 1966, começou a ser espalhada pelo mundo. Mas a verdadeira história é a que contei acima. Há dezenas de fontes que provam isso.

Debate Sindical – Toda mulher já ouviu em algum momento de sua vida, como piada ou até mesmo a sério, que “lugar de mulher é na cozinha”, é isso mesmo?

Giannotti – Esta é uma das tantas frases idiotas criadas pelo machismo imperante. Há milhares de outras, no mesmo sentido. É contra esta mentalidade que mulheres e também os homens de esquerda precisam lutar. Lugar de mulher é na construção da história, dona de suas idéias, de seu corpo, de seus sentimentos e feliz.

Debate Sindical – Quais as mulheres que não podem ser esquecidas na luta por um mundo melhor?

Giannotti – Todas as que se recusam a apanhar dos seus pais, irmãos e maridos. Todas as que se recusam a abaixar a cabeça frente aos machos. Todas as que se engajam na luta para mudar esta sociedade capitalista, nos seus vários aspectos: de exploração de classe, de machismo, de opressão das minorias, dos negros, índios, e de todos os que não são da classe exploradoras.

Não podemos esquecer de todas as mulheres vítimas desta exploração-opressão. Agora, mais do que das vítimas não podemos esquecer de quem luta para que a situação da mulher mude. E com ela, mudar a situação de todos os explorados e oprimidos.

 

Debate Sindical – Qual a melhor emancipação para a mulher?

Giannotti – Se sentir gente, e ser tratada como gente. Isto não acontece hoje. Em geral é vista como uma bonequinha, ou uma idiotinha, ou carne de açougue, exposta em qualquer banca de revistas. Mais de 90% das capas de revistas são uma verdadeira ofensa à inteligência e dignidade da mulher. A mulher quase sempre aparece cuidando de se enfeitar para ser valorizada pelos compradores machos. Todas estas capas de revistas com mulheres saradas, siliconadas, devidamente lipoaspiradas, sempre rindo mostrando lindos dentes, poderiam ter a mesma manchete: “Mulher não precisa ter cérebro, caráter, dignidade, personalidade.” Basta se enfeitar, que seu preço sobe. Os machos vão gostar.

Debate Sindical – Como você faria uma declaração de amor para uma mulher?

Giannotti – “Vamos juntos?”. Para ir junto, a qualquer coisa, tem que ser igual. Se sentir igual.

 

 

Reprodução NPC - Núcleo Piratininga de Comunicação

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